Bate-papo com a Juíza Federal Isabela Ferrari
O livro Justiça Digital (uma parceria do Instituto New Law e a Editora Revista dos Tribunais) foi lançado nesse semestre em edição revista e ampliada. Essa nova edição inclui três novos temas: um artigo sobre o sistema Victor, a inteligência artificial do Supremo Tribunal Federal; outro sobre o sistema Mandamus, que deve se expandir em breve por todo o país; e um terceiro sobre o Juízo 100% digital. Convidamos a organizadora da obra, a Juíza Federal Isabela Ferrari, para bater um papo com a Revista Ajuferjes. Confira abaixo os melhores momentos:
Neste segundo semestre, você lançou a segunda edição ampliada do livro Justiça Digital. Poderia nos contar um pouco da sua trajetória e como se interessou pelo tema?
Eu sou Juíza Federal desde 2012. Sempre tive uma atuação muito complementar entre a academia e magistratura. Cursei o mestrado na UERJ e, logo no início do meu doutorado, passei um tempo em Harvard como pesquisadora visitante. Nesse período, o tema da transformação do mundo a partir da tecnologia estava ganhando muita atenção. Pensei em como o meu campo poderia mudar nesse sentido. Quando voltei, resolvi mudar o meu tema de pesquisa para a tecnologia na Justiça, mais especificamente para os algoritmos decisórios.
Você é mestre e doutoranda pela UERJ e dá aula de Justiça Digital no Instituto New Law. Como você avalia o ensino do novo direito hoje nas universidades brasileiras? O que funciona e o que precisa ser atualizado?
Não é segredo que existe um descompasso muito grande entre aquilo que é ensinado nas faculdades de direito e as reais necessidades do profissional de direito no mundo real. Isso demanda uma revisão dos currículos das universidades, o que já está acontecendo. O MEC passou a exigir recentemente disciplinas como Direito digital e Resolução de disputas de forma negocial inclusive por plataformas digitais.
O que eu vejo de forma geral é que o currículo das universidades brasileiras deveriam ser revisados para incluir ainda habilidades interpessoais que a gente historicamente deixou de lado e que são reais necessidades do profissional de direito. Negociação, liderança, inteligência emocional, trabalho em equipe são algumas delas.
Nas resoluções de disputa os softwares, a partir de análise de dados, podem fazer o trabalho que normalmente era feito por um magistrado. Essa afirmativa está correta? Como funciona a aplicação de TI nesses casos?
A inteligência artificial hoje não está em um estágio de desenvolver raciocínio jurídico. A A.I. consegue, através da análise de dados, entender uma determinada situação, ler um determinado processo e sugerir soluções. Essas soluções são sugeridas a partir de uma base de dados que foi utilizada para treinar o sistema. Portanto, os softwares podem ser utilizados, principalmente, em causas muito repetitivas ou naquelas que trazem apenas questões de direito, por exemplo. Casos que fujam do padrão, que demandem sensibilidade e atividade criativa nunca poderão ser atendidos por inteligência artificial e o juiz humano é fundamental. Por isso eu não acredito na substituição de juízes por robôs de forma maciça.
Um dos diferenciais da nova edição do livro Justiça Digital é um artigo sobre o sistema Victor. Poderia explicar como funcionará e quais os ganhos do seu uso no STF para o nosso país?
O sistema Victor já está funcionando em fase de testes. Um dos seus grandes méritos é ler, organizar e destacar as peças principais dos processos que o Supremo Tribunal Federal recebe de todos os tribunais do país, cada um com um formato diferente. Ele consegue informar se a repercussão geral está presente, ausente ou se não é possível informar nos recursos extraordinários interpostos desses processos. Essa decisão, em seguida é homologada por um servidor do Supremo. Cabe destacar que o trabalho de análise é feito pelo sistema em 5 segundos, enquanto um servidor demorava 44 minutos em média. Há, portanto, um ganho extraordinário de celeridade e eficiência.
O Victor é um primeiro passo para aplicação de inteligência artificial no STF. Acredito que seja preciso informar a todas as partes quando o sistema atua, mesmo que em fase de teste, e também que haja uma impugnação específica já que não deixa de ser um ato processual.
A pandemia da covid-19 acabou acelerando o processo de digitalização da Justiça Brasileira, processo esse que já estava em andamento e bastante acelerado. Como o Brasil se posiciona em relação a outros países no uso de tecnologias e inteligência artificial nas suas cortes?
O Brasil, certamente, é protagonista dessa transformação do judiciário a partir de tecnologia. É uma grande referência mundial no assunto com um posicionamento comparável à Estônia e à China, na minha visão. A Estônia sofreu uma transformação digital em todas as instâncias do governo e do judiciário. Tem uma iniciativa arrojada que é a criação do primeiro robô juiz que vai decidir causas de pequeno valor. Já a China, que também enfrenta uma grande litigância como o nosso país, desenvolveu as “smart courts”. A principal experiência internacional de uso de TI em uma Suprema Corte é do Brasil: o robô Victor, do Supremo Tribunal Federal. Eu, particularmente, não conheço nenhuma experiência parecida com essa em nenhum outro país.