Débora Valle de Brito
Após um longo período de pandemia, as (boas) notícias que ansiosamente aguardávamos aparecem, pouco a pouco: a reabertura de fronteiras ao turismo com a consequente volta das viagens internacionais. Contudo, para os Juízes Federais Criminais, isso significa o reencontro com as chamadas mulas do tráfico internacional de drogas.
O perfil de recrutamento é variado, com claro intuito de confundir e dificultar a fiscalização. Mas é possível observar a presença de mulheres jovens e bonitas, com dificuldades financeiras, e em regra, sem nenhum envolvimento anterior com qualquer tipo de crime. Em alguns casos, há desconfiança de tráfico de mulheres em conjunto com o tráfico de drogas, mas nem sempre se consegue uma elucidação eficiente desta circunstância.
Essas mulheres, seduzidas pela promessa de ganho fácil, não contam com as consequências nefastas que esta aventura criminosa ocasiona em suas vidas. O primeiro impacto ocorre com a prisão em solo estrangeiro, onde muitas vezes sequer se é capaz de entender o idioma falado pelas pessoas que executam a sua prisão.
Ser preso é ruim, mas a experiência é ainda pior se for preso em país estrangeiro, sem entender uma palavra do que falam à sua volta, sem conhecer as regras do processo penal do país, sem poder se comunicar com sua família ou receber qualquer visita.
É importante ressaltar que toda a legislação e jurisprudência concessiva de liberdade às mães não melhorou muito a vida destas mulheres. Em liberdade provisória (ou condenadas a penas alternativas) e com o passaporte retido, residem em abrigos de pessoas em situação de rua mantidos pelas prefeituras. Nem sempre há vagas, nunca há emprego, não contam com nenhuma fonte de renda. Esse é o cenário acompanhado pelos Juízos de execução de penas e medidas alternativas federais.
Ilustra essa situação o seguinte trecho de relatório da equipe de psicologia da 9ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro:
“A Sra. Y não possui residência própria ou alugada no Brasil, não possui fonte de renda e documentos que viabilizem sua inserção no mercado de trabalho. Ela está vivendo longe das pessoas de maior referência em sua vida (família e amigos) e demonstra extremo sofrimento com tal situação, o que parece ter sido agravado com os momentos de natal, ano novo e adoecimento de seu irmão, o qual, segundo informações da referida senhora, esteve internado na Ucrânia. Quanto a este último fator ela informou que o irmão é sua principal referência familiar, ambos foram criados pelos avós e estavam morando juntos. Este irmão recebe um subsídio do governo por ser portador de um déficit relacionado à aprendizagem (não especificado) e presta pequenos serviços em uma padaria próxima de sua residência. Ele é a pessoa que tem enviado recursos para sua subsistência no Brasil.”
Como se vê, a pena alternativa, que deveria abrandar os efeitos da condenação criminal e facilitar a reintegração social do condenado, em estrangeiros, não perde a característica aflitiva e segregadora. De fato, impõe a esta condenada a residência em outro país, longe de seu suporte familiar e totalmente inviabilizada financeiramente, muitas vezes lhe restando a prostituição como opção de sustento durante sua permanência no Brasil.
Em outro caso, uma jovem universitária foi abordada, na companhia de outro jovem, por indicação de autoridades estrangeiras, que suspeitavam de tráfico internacional de mulheres. Com cerca de 10kg de cocaína, os dois jovens foram condenados por tráfico internacional de drogas, não avançando as investigações sobre tráfico de pessoas.
Para melhor proteção da jovem, esta foi designada para prestar serviços dentro da própria Nona Vara Federal Criminal. Durante o período de cumprimento de pena, em que acolhemos a jovem como colega de trabalho, pudemos ter a dimensão de todo o sofrimento que acompanha o estrangeiro residente forçado em território brasileiro. Foram diversas mudanças de endereço, pois sempre morava de favor, dificuldades financeiras, e um único objetivo: cumprir a pena o mais rápido possível para voltar para casa.
A pandemia empobreceu todos os povos, em todo o mundo. Esse cenário encontrará ainda mais vítimas dispostas a cruzar os oceanos servindo a grandes organizações de tráfico de drogas, ao passo que as redes assistenciais estão mais exauridas.
A reabertura de fronteiras e a volta dos voos internacionais merece comemoração, mas, estejamos preparados para tudo o mais que vem na bagagem.
Leia a Revista Ajuferjes completa no link abaixo:
https://ajuferjes.org.br/wp-content/uploads/2021/12/Revista_Ajuferjes_dez2021.pdf
*Debora Valle de Brito é Juíza Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro